sábado, 24 de abril de 2010

Estudo como os textos curriculares foram se constituindo como fechamentos discursivos que mobilizam intencionalidades e propõem formas preferenciais de leituras. É certo que não há texto sem fechamentos, todo texto cria lugares simbólicos em que pretende colocar seus leitores. No caso de textos que pretendem intervir, como os das políticas, torna-se ainda mais crucial a criação desses lugares, ainda que essa pretensão os obrigue também a negociar os endereçamentos que propõem. Mesmo que haja outros constrangimentos, os currículos só podem intervir se forem lidos e se convencerem o leitor da adequação dos endereçamentos que propõem. Sua efetividade como instrumento de intervenção depende, portanto, de ele abrir mão da pretensão de controle absoluto. É um paradoxo com o qual as políticas curriculares precisam conviver. Claro que a saturação total não seria mesmo possível, visto que como textos políticos são construídos por muitas mãos em meio a negociações e acordos.

Os textos das recentes políticas curriculares nacionais no Brasil projetam o cidadão como identidade preferencial e constroem um torno dela uma aura de positividade como forma de tornar mais efetiva a intervenção. Ao mobilizar sentidos diversos, os documentos apresentam a cidadania como um desejo de toda a sociedade, em que não há exclusões, a exceção daquelas que poderão ser superadas com a própria intervenção. Com isso, a cidadania torna-se uma identidade projetada bastante poderosa, contribuindo para o apagamento da diferença.

A diferença que me preocupa ser apagada não é nenhuma diferença particular, mas o próprio diferir de sentidos que está na base do discursivo. Formações textuais que se articulam em torno de significantes metafóricos como a cidadania dificultam a proliferação de sentidos própria da diferença. Como entendo que a educação só existe como um processo que possibilita ao outro ser um outro singular -- o que não foi inventado (Derrida, 1989, p.59), preocupo-me com a força de endereçamentos que projetam identidades que tentam impedir “o Outro” de ser outro na totalidade: que o faz projeto de si mesmo.

Embora não esteja me referindo a nenhuma identidade particular, elas acabam no centro da tarefa de desconstruir os discursos hegemonizados. Os discursos universalizados, como vimos, detêm uma força simbólica que os tornam fragmentos poderosos na construção do novo texto. São defendidos por grupos que possuem maior controle dos aparatos de significação e, com isso, tornam-se mais facilmente hegemônicos. Nesse sentido, são os discursos periféricos, produzidos nas margens, aqueles que menos potencialidades têm de significar. No caso da cidadania nacional, plural e inclusiva, as lutas das minorias pela valorização de suas demandas ampliaram a noção de cidadania de modo a englobar a pluralidade cultural. Ao mesmo tempo, no entanto, essa pluralidade foi integrada como traço nacional e incorporada ao discurso iluminista de valorização do conhecimento acumulado pela humanidade.

A inventividade desconstrutiva reabre a possibilidade de emergência da diferença. Ao duvidar das significações apresentadas como consensuais, pretendiodescentrar os textos que naturalizam a cidadania como identidade projetada para todos. Julgo que essa é a contribuição possível do debate teórico para a mudança. Descontruir aquilo que nos desagrada, desnaturalizar o óbvio, embora não seja suficiente, é condição necessária para subverter os mecanismos que nos impedem de fazer o que não está previsto na ordem do dia.